sábado, 6 de outubro de 2018
terça-feira, 25 de setembro de 2018
Espelho de rostos
mortos
Numa casa de campo em ruínas, existia um espelho marcado
pelas feridas do tempo, pendurado numa pequena divisão resguardado pelos
barrotes torcidos do telhado onde a chuva dos invernos se intrometia
espalhando-se no soalho de madeira gasto pelos passos de ratazanas.
Do outro lado do espelho, apinhavam-se vultos do passado,
rostos mortos de olhar pálido e confuso. Seguravam o espelho e espreitavam para
a vida que lhes foi tirada. Um coro de formas numa pelicula de filme mudo, reféns
da sua própria condição. A vaidade foi traída pelo pensamento eterno da
juventude.
Espelho meu!!!!!
sábado, 15 de setembro de 2018
domingo, 15 de julho de 2018
Bolsas de Avaro ou usurário
Pequenas bolsas de guarda de pequenos valores que se escondiam entre as roupas interiores do sec.XIX.
Conheci o primeiro avarento na minha vida para lá dos doze anos quando comecei a trabalhar para o "judeu" de Belmonte.Figura típica que faria rir o Bordalo. Calvo de cabelo lateral em espigo parecendo dois cornos, papada de pescoço pequeno, barriga dilatada, unhas grandes, nódoas da camisola e placa dos dos dentes sempre a caír para não gastar dinheiro numa nova.
quinta-feira, 12 de julho de 2018
O Fernandinho
Esta figura de fraca aparência, magra e ar de tonto
percorria as redondezas levando sempre nas mãos uma caninha gasta pelo seu
valor estimativo.
Imitava sons estranhos como se da alma criativa emanassem e
olhava discretamente pelos cantos dos olhos a nossa admiração por tamanhas
façanhas de mestre. Fernandinho era assim, alto,descalço, de joelhos negros e
pernas arqueadas parecia uma figura retirada de uma sombra das labaredas de uma
fogueira.
No Verão, alimentava-se de bagas e abóbora porqueira que
encontrava pelos caminhos de poeira e de Inverno alimentava-se de laranjas que
pendiam dos muros dos quintais.
Alegre e despreocupado, carregava o seu mundo que ninguém
queria carregar, dormia ao relento e ou em cabanas de pastores.
Espreitava à porta da taberna e era expulso antes de colocar
o pé para dentro das portas teimosas. O taberneiro não queria um doido na sua
taberna, faria parecer mal aos bêbados ter alguém que não estando bêbado e sem
consumo era tão doido como os fregueses. Ele apenas pedia apontando para um carapau em escabeche que estava na montra
do balcão há mais de uma semana e nem isso, nem um queijo do frasco dos queijos
em azeite, nem um ovo cozido. O taberneiro era de má tempera e a mulher que
usava um grande cruxifixo de ouro ao peito não era melhor. Fernandinho não
tinha dinheiro, não era bem vindo. Tanta fome que lhe enchia o estomago seguia
rua abaixo tocando a caninha recheada de sons estridentes.
Nas festas de S.João, estando a noite já estendida e o
rosmaninho ardendo na fogueira do largo, Fernandinho chegou alegre com a sua
caninha e no meio da confusão de figuras vermelhas suadas e destilando bagaço,
o gordo Raimundo de bigode de aço amarelado lhe tirou a caninha das mãos e a
atirou para a fogueira dizendo entre palavras trapalhonas e gestos emaranhados
que era preciso mais lenha na fogueira. Fernandinho ficou paralisado na
primeira tentativa de reagir, depois corre em direção da fogueira sendo parado
pelo mestre de obras, o Maneta, e não
conseguindo chegar à fogueira, chorou alto com os mesmos sons que nos habitámos
a ouvir quando soprava na caninha……Fernandinho era mudo, o que ouvia tocando na
sua caninha não eram sons de melodia desafinada, era o seu grito de mudo. Um
mudo a chorar.
Vitor Pires – Lembrando Fernandinho
Os gatos da Nhanha
Junto ao pinhal do enforcado e num amontado de tábuas
torcidas pela idade e de cobertura disforme em chapas enferrujadas, vivia a
Nhanha, uma velha que se movimentava sem tocar os pés no chão de tão fraca
figura que era, vestida de negros e ensebados trapos bordados a largos buracos que se uniam na cintura delgada adornada de
uma corda cheia de nós e borbotos. Usava um lenço negro que lhe cobria
parcialmente o rosto enrugado e emoldurado de cabelo solto grisalho e quem se atrevia a olhá-la de frente, dizia que o queixo batia no nariz pontiagudo.
Velha enigmática e solitária que em tempos inquisitoriais teria sido queimada na
fogueira em qualquer procissão de fé, mas não! Vivia calma, barraca dentro e
barraca fora, despejando baldes de água escura e arrancando erva que a pendurava em molhos no
beirado. De tempos em tempos era acossada por pequenos gaiatos malandros que
atiravam pedras para o telhado e divertiam-se vendo a nhanha saindo apavorada
da barraca de punhos erguidos amaldiçoando tamanha maldade. Ir à nhanha mandar
pedras era pratica diária da maldade juvenil, não bastava as gentes de rua que
fugiam dela porque estava suja e malcheirosa, ou porque tinha sido uma mulher
“mal-comportada” que lhe valeu a alcunha de
NHANHA, coisa asquerosa, repugnante, era uma triste figura rodeada de
moscas e gatos.
Corriam boatos que o pinhal defronte do barraco, tomou o
nome de pinhal do enforcado, por ter sido num dos pinheiros onde se matou o homem que verdadeiramente a amou
em anos muito recuados da sua juventude.Esse grande amor trabalhava num circo
como músico e ela seria filha do dono do circo. Um mal entendido, ciúmes,
invejas, desde esse fatídico dia que a pobre mulher decidiu acampar frente ao
pinheiro onde o amante se enforcou e aí ficou durante anos e anos em penitência
eterna construindo o barraco e rodeando-se de miséria coroada com a longa vida
amarga onde nem Deus alguma vez entrou ou se compadeceu. Pobre mulher, foi
vitima de todas as pragas do antigo testamento, as moscas, os ratos, os sapos,
os piolhos, e gatos…..mas os gatos em seu redor até pareciam filhos dela. Eram
ninhadas e ninhadas que surgiam entre latas, caixas e junto aos canaviais. A Nhanha falava com
eles, gritava, berrava e cantava e um deles me despertou a atenção, era
amarelinho e tinha um ar de brincalhão, era o predileto dela, pois reparava que
ela o trazia sempre ao colo.Só lhe faltava tocar um instrumento de música.
Um dia vindo da escola, reparei na Nhanha adormecida junto à
entrada da barraca, com um ar sereno, tranquilo, tinha o rosto descoberto e não
tinha o queixo colado ao nariz como todo o mundo maldizente apregoava, estava
com a boca ligeiramente aberta mostrando a ausência total dos dentes. Pela
primeira vez lhe vi o rosto cansado. O gato amarelo estava também adormecido ao
seu colo e virando o caminho olhei uma última vez aquele cenário. Senti-me
triste, senti uma mágoa tão grande que me deu vontade de chorar, senti que a
vida humana não se poderia resumir àquela cena….só a morte poderia libertar e dar
felicidade àquela mulher.
Arrependido fiquei de nunca lhe ter dito: Bom dia! Nunca
venci o medo e era tarde demais para o fazer. O barraco estava coberto de
silvas, selada a memória com espinhos e esquecimento. O gato nunca mais o vi.
De tempos em tempos vejo um gato amarelinho, tolhido pela idade, escondendo-se
entre arbustos e espinheiros no pinhal do enforcado.
Gato modelado em barro branco esmaltado – Vitor Pires fecit
Subscrever:
Mensagens (Atom)
Um aqueduto de Óbidos.....transporte de águas para a vila.